quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Escova de dente e um quilo de sal




Será mesmo que conheço as pessoas?
Ingenuidade minha, pode ser. E a cada segundo um segundo a menos, e a cada segundo é um piscar de olhos, e passos se cruzam, e cruzam seus mundos e tropeçam seus pés, e você se segura com um abraço, e eu seguro um sorriso. Será que foi o meu amor que tropeçou e eu a segurei? As pessoas tropeçam, e os amores passam, e até nos acenam, e até disfarçam, e até não se conhecem, e até brincam, e até brigam e até se admiram. E a projeção fica por nossa conta, e nossa imaginação voa longe, pensando em cada tropeço, instante e movimento.
Será mesmo que conheço a quem julgo um sentimento?
Conheço a mim, pois aos outros sobra aquela eterna dúvida do que está pensando agora... Cada um leva a sua projeção no bolso, e desvendar esse bolso sem fundo, é o que nos atormenta quando se está sozinho. O que será que pensa tal criatura quando está sozinha? Pois verdadeiro pensamento e afeto, é o que nos chega quando estamos sem querer paralisados olhando fixadamente para nada, mas que no final é tudo. E a roda da vida continua girando.
Será mesmo que conheço o que eu sinto?
Ora, se não sou eu quem faz minha própria projeção, e tudo que imagino talvez no final faça algum sentindo. Como quando passa a tempestade e vem a calmaria, a gente fica pensando quando o nosso temporal de sentimentos vai passar. E a gente lembra que a maré vem todos os dias e trás tudo de volta, e nós ficamos assim, olhando pro horizonte esperando um ao outro. E o barco continua navegando, sem porto, sem cais.
Será mesmo que conheço a minha projeção?
E se não é perfeito o filme que eu próprio dirijo, como entender as cenas do próximo capítulo? Esse é o mistério. A novela da vida de cada um só se descobre depois do fim, pois até lá, é apenas capítulos, um atrás do outro, dia após dia, cena por cena, e todo mundo sabe que o verdadeiro final é nós que fizemos. E realmente, a gente só se conhece depois de um quilo de sal.
No mais, são só pitadas que temperam o que a gente projeta, que fazem da nossa história um obra-prima, digna de Oscar, que nos fazem chorar, sorrir, imaginar, sonhar, que nos fazem ser em sonho, o que no fim imaginamos ser.
E a projeção acaba, quando sem querer e sem perceber, sua escova de dente estiver perto da minha, e perceberemos que tudo na nossa vida é um filme, sem roteiro, mas com final feliz.

(Cássio Almeida)