Nos
últimos dias caminhando para o trabalho (a rua é uma sala de aula para
reflexões) tenho percebido e cruzado por muitos moradores de rua. São,
especificamente, os mesmos todos os dias nos mesmos locais. Na manhã quando
estou indo para o trabalho, eles encontram-se dormindo, deitados no chão frio e
úmido da calçada, quando volto à tarde, já estão de pé mendigando qualquer
coisa, desde 10 centavos a uma migalha de pão. Essa é a rotina, todos os dias a
mesma coisa, pelo menos nesses dias que cruzei por tal rua e que me chamou a
atenção.
Dessa
vez não me passou em vão...
Aquelas
cenas me bateram de tal maneira que tive que escrever, alguém talvez pense a
mesma coisa, não sei, mas não deixei passar dessa vez. O que eu pensei, é algo
até clichê, não é o caso do “ser humano piedoso tendo pena dos coitados”, não
foi isso, mas sim o fato de pensar que a rotina daquelas pessoas é simplesmente
deitar num chão frio, levantar, mendigar e voltar para o seu mundo, aquele mundo
no chão.
O que
me causou desconforto é pensar que uma das coisas boas da vida, é deitar numa
boa cama, botar a cabeça num travesseiro macio e dormir tranqüilo, só com a
preocupação de ter que acordar no outro dia. E fiquei pensando como somos
insatisfeitos por natureza. Para muitos, nada está bom, tudo é uma competição,
tudo é uma rotina de querer ter, e ser maior que o outro. Voltamos a ser
pré-históricos quando deixamos o lado competitivo de querer tudo a qualquer
preço sobrepor o simples desejo de querer viver feliz.
Temos
tudo, e não temos nada...
O que
eles têm??? Talvez o latifúndio das calçadas e o trabalho no ramo econômico ao
contar moedinhas, talvez à apreciação gentílica de nos chamarem de Doutor ou a
aptidão gastronômica de comer comida do lixo.
Não é
discurso hipócrita nem sentimentalismo Franciscano, é simplesmente a realidade
nua e crua. O que eu quero dizer é que eles só têm aquilo, o mundo deles é
aquilo e mais nada. E o que nós temos??? A gente reclama de barriga cheia essa
é a verdade. Não que tenhamos uma vida maravilhosa e que de nada mais
precisamos, não é isso, a gente sempre quer crescer e viver melhor, viver
confortavelmente... Mas a diferença é que o nosso mundo não é no chão, não
sonhamos e planejamos a continuidade das nossas vidas deitado num papelão com
um teto de estrelas. Será que eles ainda sonham com alguma coisa???
Às
vezes achamos que temos de menos, mas nós temos tudo. Nós temos tudo, só não
temos o que queremos. Mas mesmo assim nós ainda temos escolhas.
O ir
ao trabalho, o ir a Universidade, um dinheiro esbanjado, uma compra na loja, um
carinho dos Pais, um afago do nosso amor. Nossa vida muitas vezes não é fácil,
muitas coisas acontecem durante ela que nos deixam sem um Norte, às vezes
arrasados. Mas nossa vida é um mar de rosas perto das vidas que seguem no
cimento da rua.
Por
isso nós temos que ser gratos por estarmos onde estamos, e não desperdiçar a
vida com coisas pequenas, com coisas que simplesmente podem ser superadas
facilmente e não transformadas num acaso sem lógica. Faltam sorrisos na cara
das pessoas, há muitas pessoas amargas, que parecem que engolem a vida com um
gosto mais amargo ainda. A vida é bela, e ela não pode ser desperdiçada. Nós ainda temos escolhas...
Para
aquelas pessoas, a vida é mais dura, eu não sei o que aconteceu para eles
estarem ali, para chegarem naquele ponto, nem sei se elas são vitimas ou
fizeram por merecer, não sei. Mas quando passarem por elas lembrem-se que a sua
vida vale a pena ser vivida de um jeito melhor, e que se importar com os outros
é só um dos pequenos jeitos de engrandecer o seu fim.
Há uma
frase no final do filme “O auto da Compadecida” que diz: “... Deus às vezes se
veste de mendigo para testar a bondade dos homens...”. Eu não sei se Deus
existe, mas se existe realmente, eu não sei o que eles fizeram para ter o seu
mundo no chão.
Nós temos tudo.